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V.IV - Mais uma vez em São Paulo – migrantes e favelados

Chegou à capital paulista em janeiro de 1991 com ordens do Superior Geral de aí permanecer. Começava o segundo período de sua permanência em São Paulo. Retomou, então, os trabalhos deixados junto aos doentes e encarcerados e deu continuidade à missão que tinha iniciado com os migrantes nordestinos. A maior parte deles vivia em condições precárias, sem assistência médica, sindical, nem religiosa, ficando assim expostos aos perigos do vício, da prostituição e da violência tão comuns na cidade grande.

São Paulo, capital. Em primeiro plano, casarões do Bairro Bela Vista; cúpula da Igreja da Achiropita e, ao fundo, prédios da Av. Paulista.
(Foto de Iracema Santos Fantaguci.)

À noite, até as 22 ou 23 horas, percorria as ruas do bairro, a fim de encontrar-se, nos condomínios, com os vigias e guardas-noturnos nordestinos.

Com muito amor, ele procurava encorajá-los, fortalecendo-os na fé,ensinando-os a enfrentar os desafios da vida, sem se deixarem corromper ou desfalecer.

Da esquerda para a direita, Sr. Manuel Andrade, Lucas Paiva, Giovanna Fantaguci, Sr. Antônio Ferreira da Silva e Iracema Fantaguci,  no dia 7-12-2007, aniversário de morte de Pe. Ângelo, após a Santa Missa no Santuário Santa Cruz. O Sr. Manuel e o Sr. Antônio são alguns dos guardas-noturnos que Pe. Ângelo evangelizava nas rondas noturnas. Eles se recordam de Pe. Ângelo com muito carinho e saudade e consideram-no o “anjo dos guardas-noturnos”.

Com esse apoio, muitos foram os frutos colhidos: conversões, batizados, casamentos. Jackson foi um desses frutos. Foi batizado, recebeu a Primeira Eucaristia, foi crismado e tornou-se um evangelizador no meio de sua gente nordestina.
Como Jackson, muitos outros desses jovens vigias tiveram sua vida mudada. Ele acolhia, nessas caminhadas noturnas, não somente os vigias, mas também mendigos, viciados, desempregados e homossexuais.
[Preservada a identidade]  foi mais um desses abandonados que encontrou numa certa noite. Estava triste, mal vestido, faminto. Conversaram. Disse ao padre que era homossexual e manifestou-lhe o desejo de voltar para o interior, para a casa de uma tia que o apreciava muito. Pe. Ângelo saciou-lhe a fome, levou-o à Rodoviária, comprou a passagem e o embarcou, pronunciando:
Lembra-te de que tu também és filho de Deus e que Deus te ama assim como és”.
[  ], chorando muito, partiu. Tempo depois, pelas ruas de São Paulo, um jovem se aproximou dele e se identificando, pois o padre não o tinha reconhecido, adiantou:
Padre, suas palavras foram para mim como um remédio, que me curou. Superei minha homossexualidade, encontrei um bom trabalho e agora estou contente.”
[...]
Os operários, em geral migrantes nordestinos, foram também muito acolhidos por ele. Visitava-os à noite em seus casebres, ou nos barracões das obras em construção. Quando da construção do Carrefour-Shopping, na Francisco Morato, próximo à Casa Provincial, passou a visitar os operários dessa obra todas as segundas-feiras à noite. Eles eram uns novecentos mais ou menos. Muitos deles, cansados, deixavam a televisão e o jogo de cartas para ouvir a pregação do padre. O número dos que o escutavam era tão significativo que ele precisava falar de cima de uma mesa. Um dos engenheiros da obra, que passou a admirá-lo, perguntou-lhe, certo dia, se não receava andar em lugares tão perigosos. Respondeu-lhe:
Não. Eu tenho medo somente de ofender a Deus”.
E, assim, destemido, ia semeando a palavra da verdade entre os operários, sendo muitos deles convertidos e até vindo a surgir uma vocação missionária no meio deles. Mauro, um jovem operário, oriundo de Teresina, capital do Piauí, manifestou-lhe a vontade de ser comboniano. Pe. Ângelo, lógico, tomou providências nesse sentido.

O padre mesmo era quem os preparava para o Batismo e outros sacramentos. A cerimônia realizava-se na Igreja do Caxingui e se revelava um dia de festa para todos eles.

Santuário Santa Cruz da Reconciliação (Capela Santa Cruz), anexa à Casa Provincial dos Missionários Combonianos, em São Paulo-SP. Nesse santuário, Pe. Ângelo celebrava missas,  realizava encontros com ex-alunos e amigos e acolhia os migrantes, batizando-os e preparando-os para a Crisma.
(Foto de Iracema Santos Fantaguci.)

Luís, um pedreiro nordestino, teve uma perna fraturada, durante o trabalho. Não recebeu nenhuma assistência, ficou desempregado e terminou mendigando pelas ruas. Quando Pe. Ângelo o encontrou nessas pairagens noturnas, estava com forte pneumonia. Levou-o ao Hospital, cuidou dele e, após restabelecido, conduziu-o à Rodoviária e o embarcou de volta à sua terra, satisfazendo o seu desejo. [...]
Era assim Pe. Ângelo, amigo, singular, acolhedor. E assim se mostrava aos necessitados.

Quantos pobres, nas favelas, ou perambulando pelas ruas de São Paulo, receberam sua atenção e ajuda!

Maria Aparecida, mãe de quatro filhos, abandonada pelo marido, teve seu barraco destruído pelas chuvas. Não tinha meios para reconstruí-lo. Pe. Ângelo ia batizar um filho de um amigo seu, Senhor Marcelo [Gurgel]. Este senhor de posses daria, por ocasião do batizado, uma grande festa. Pe. Ângelo contou-lhe a história de Maria Aparecida e perguntou-lhe se não queria gastar um pouco menos com as comemorações e ajudar essa irmã tão desesperada. O Senhor Marcelo acatou o conselho do padre amigo e construiu o barraco de Maria Aparecida.
Aliás, onde Pe. Ângelo arranjava dinheiro para dar aos pobres, comprar passagens, carrinhos de mão, remédios, biscoitos, roupas? Como conseguia as coisas materiais para poder manter essa obra extraordinária de assistência aos doentes, encarcerados, homossexuais, desempregados, doentes, de forma que sempre tinha o que dar, o que oferecer aos necessitados que encontrava mendicantes pelas ruas nuas, secas, insensíveis, maltratantes, cruéis, no calor, no frio, ao relento, nesse atentado à vida e à dignidade?

Trabalhador brasileiro conduzindo um carrinho de mão com lixo reciclável, atividade indispensável à preservação do meio ambiente e que precisa ser mais valorizada.
© Fernando Cunha. Foto, gentilmente. cedida para este site.
Retirada de http://www.flickr.com/photos/imperatriz-ma/440093153/

Era sempre assim. Recebia ajuda de pessoas de posses que ele, de alguma forma, também ajudava. Pedia aos mais ricos. Nas missas que celebrava, nos batizados que fazia, nas inúmeras oportunidades de se dispor sem reservas a tantos amigos mais abastados, costumava receber doações que as destinava a esse fim. Até de sua herança abdicou, destinando uma boa parte dela para apoiar revistas missionárias no Brasil, outra parte para a Casa dos Doentes Abandonados, na periferia da cidade de São Paulo e uma terceira parte para os meninos de rua assistidos pelos Combonianos. Além de bens e dinheiro que recebia, podia contar também com a ajuda pessoal de diversos amigos que o acompanhavam nesse trabalho.
Muitos nordestinos viviam pelo centro de São Paulo juntando jornais e caixas de papelão para vendê-los às indústrias de reciclagem. Se tivessem um carrinho de mão, com certeza, teriam mais lucro no apurado. Quantos carros de mão Pe. Ângelo fez chegar às mãos desses migrantes sofridos!

Com vistas a ajudar mais ainda os necessitados, montou, com ajuda de amigos médicos, Diretores de Hospitais, farmacêuticos e outros, uma pequena farmácia para as doenças mais comuns. Uma enfermeira aposentada ajudava-o na distribuição dos medicamentos.
Os pobres procuravam-no, encontrando nele um irmão, um defensor. O caso de Cristina, como tantos outros, ilustra o que afirmamos. Ela era viúva, mãe de cinco filhos e vendedora de sorvetes na rodoviária. Denunciada e sem poder obter a licença, porque não tinha condições de atender às normas de higiene prescritas, parou com seu negócio que era o sustento da casa. Desesperada, foi pedir ajuda ao padre. Este foi à Prefeitura, mas o encarregado do setor disse-lhe que era impossível conceder tal licença. Sem desanimar, Pe. Ângelo procura ir até o prefeito. Conseguiu falar com a secretária dele e a convenceu a dar a permissão. “Com certeza não são os sorvetes de Cristina que vão intoxicar o Brasil”, disse a moça ao padre que não se continha de contente. Entregando a licença  a Cristina, disse-lhe: “aprenda a ter confiança no Senhor que não abandona quem Nele confia”.
A convivência com os desvalidos foi tão real que Pe. Ângelo, vivendo seus ambientes sem higiene, sem limpeza, terminou por ser incomodado por pulgas e piolhos, levando essas insuportáveis pragas à Casa Paroquial. Foram necessárias muita limpeza e combate, para que tudo ficasse limpo e em ordem.
Estava sempre de roupas velhas e remendadas, pois as novas dava-as a seus amigos pobres. A costureira dizia-lhe que não tinha mais o que remendar em suas roupas. [...]

 

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